quarta-feira, junho 28, 2006

Estrela da tarde



Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!


José Carlos Ary dos Santos
> Estrela da tarde

quarta-feira, junho 14, 2006

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quarta-feira, junho 07, 2006

A casa...

A madeira daquela cama apodrece cheia de uma humidade que não é a tua... o chão de madeira infecto continua a ranger com os teus passos... a mesa sempre posta... o espelho que tudo mostra sempre embaciado das noites loucas... e infinitas!

Os fins de tarde com o cheiro a quem com a pele pinta as cores mais intensas. Somos esta casa cheia de invernos passados num frio quente dos corpos... este espaço sensitivo entre os dois... o odor entranhado na imensidão de uma lua cheia... Os retratos que na penumbra revelam quem nós somos ou mesmo as páginas em branco de um livro guardado entre memorias cegas!

Uma morte gravida de uma vida tropeçada num desafio continuo... ou uma vida morta pelo proprio viver amargurado por a morte nunca chegar a horar...

Somos aquela casa onde os sonhos se tornam o mundo... o apetecer delicioso das palavras... esse sublinhar passível de ser sentido em qualquer lugar... onde o limiar entre uma boca e outra é tão suave... onde a fronteira entre os nossos corpos é tão ténue... e eterna.


"Só são paixões as que nos tocam primeiro e nos surpreendem; as outras não passam de ligações a que levamos voluntariamente o nosso coração. As verdadeiras inclinações arrancam-no mesmo quando não queremos"

Fonte: "A Princesa de Clèves"

Autor: La Fayette, Marie

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